terça-feira, 9 de junho de 2009

O estudo sobre o Jesus Histórico

A busca pelo Jesus Histórico, parte do princípio do fascínio e da importância da pessoa de Jesus, da força e da relevância dos seus ensinos para vida de muitos, criando assim um fascínio incomum.
A vida e os ensinos de Jesus se tornaram regra de vida e conduta para muitos seguidores, cada um claro com sua forma peculiar de ver Jesus, ou como diz Paul Tillich, com uma Gestalt de Jesus. Jesus foi considerado por muitos como um mestre, um sábio, um profeta, um revolucionário, um curandeiro, um subversivo, o messias, o Filho de Deus. Por estar revelado na história humana, especialmente nos escritos do Antigo Testamento e do Novo Testamento e sendo projeto dentro do contexto pessoal de vida do seu seguidor o Jesus da fé tornou-se mais importante que o Jesus da história.
Com a chegada da idade moderna e a sua centralidade na razão, a fenomenologia segundo a ciência parte do principio dos seus fundamentos históricos. Novas descobertas científicas e os progressos da arqueologia e da hermenêutica aplicada aos textos bíblicos levaram a rever antigas definições e a buscar novos paradigmas de interpretação.
No contexto racionalista e positivista a “prova da razão da fé” se tornou de fundamental importância, por conta disso a busca pelo Jesus da história e o cristianismo como fruto desse movimento se tornou uma questão de suma importância da pesquisa bíblica, sobre tudo a partir do século XIX.
Se torna complexa a formulação da imagem do Jesus da história, por conta da multiplicidade de conclusões divergentes a este respeito, mas em contra partida se torna importante a tentativa ou a busca, pela importância que Jesus representa para o contexto de vida de muitos, os que crêem. Como fala Luigi Schiavo: “a água é mais pura e transparente quanto mais próxima de sua nascente.”

A questão do Jesus da historia começou a ser relevante com o iluminismo (séc.XVIII): até então não se via distância nem diferença alguma entre o Jesus da historia e o da fé. A partir do século XVIII a “busca pelo Jesus da historia” se tornou um dos temas mais importantes da pesquisa bíblica. Varias fases ou momentos a caracterizaram.

A “OLD QUEST” (ANTIGA ESPEDIÇÃO)

OS INICIOS
Tudo começou com Herman Samuel Reimarus, (1694 – 1768), Professor de línguas orientais em Hamburgo, Reimarus, foi durante a vida um pioneiro literário na religião da razão (Vernunftreligion) proposta pelo deísmo Inglês. No entanto, ele tornou acessível apenas a amigos próximos o fundamento historico-critico de suas idéias. ”Apologia ou escrito de defesa para adoradores racionais de Deus”. Depois da sua morte, G.E. Lessing publicou sete fragmentos dessa obra (1774-1778) sem revelar a identidade do autor.
Através de Reimarus se inicia o tratamento da vida de Jesus em perspectiva puramente histórica.
Principais declarações de Reimarus:
1- Diferenciação entre o Jesus histórico e o Cristo eclesiástico.
2- Jesus interpretado no contexto judaico.
3- A teoria da fraude objetiva explica discrepâncias.
Método/ critério:
Pergunta puramente histórica
Contexto teológico e histórico-filosofico
Iluminismo exige aplicação de métodos históricos - críticos a textos bíblicos.
1 pioneiro foi sobre tudo o ponto de partida metodológico: Reimarus distingue entre pregação de Jesus e a fé dos apóstolos de cristo.”Considero uma grande causa separar totalmente os apóstolos apresentam em seus escritos daquilo que Jesus disse e ensinou na sua vida”.
2 A esse ponto de partida corresponde a compreensão histórica de que a pregação de Jesus só pode ser compreendida a partir do contexto da religião judaica de seu tempo.
O centro da pregação de Jesus, segundo Reimarus, esta na pregação da iminência do Reino dos Céus e no conseqüente chamado a penitencia. Isso deve ser compreendido “segundo a forma judaica de expressão”. Jesus promete um reino terreno, o “reino do Cristo ou Messias, que os judeus por tanto tempo aguardaram e esperaram”. Jesus é uma figura judaica profético-apocalíptica; enquanto o cristianismo, que se destaca do judaísmo, é uma invenção dos apóstolos.
3 A discrepância entre a mensagem político- messiânica de Jesus e o anuncio apostólico de um Cristo que liberta pelo sofrimento, ressuscita e retorna é explicada por reimarus com uma teoria de fraude objetiva. Para não verem a si mesmo como fracassados, como o próprio Jesus, os discípulos teriam roubado o cadáver e depois de cinqüenta dias (quando o corpo já não poderia ser identificado) anunciado sua ressurreição e seu retorno eminente.
Enquanto a divisão metodológica entre o Jesus histórico e a fé no Cristo é até hoje normativa e Jesus está sendo reintroduzido em seu contexto judaico, a explicação da fé no cristo em termos de “fraude” foi logo corrigida por um segundo critico: D.F.Strauss.
David Frederico Strauss (1808- 1874)
O filosofo e teólogo D.F. Strauss, discípulo de F. Chr. Baur e de F.W. Hegel, publicou em 1835/ 1836, sua sensacional Vida de Jesus, que provocou uma avalanche de tentativas de refutação e rendeu o seu autor proscrição social por toda vida. Mas a pesquisa acadêmica não pode mais retroceder ao período anterior à sua tese básica da formação mítica da tradição sobre Jesus.
Principais declarações de Strauss:
Teoria do mito da tradição sobre Jesus (especialmente em João) é pesadamente revestida de mitos.
Método/ critério:
Perspectiva mítica (historia das formas)
Contexto teológico e histórico-filosofico
Filosofia de Hegel influencia Strauss.

A contribuição principal de Strauss foi à aplicação aos evangelhos do conceito de mito, já comum na pesquisa do Antigo Testamento de seu tempo. Ele demonstra a consideração mítica da tradição de Jesus como síntese (no sentido hegeliano) das interpretações inadequadas do supranaturalismo, de um lado e do racionalismo, de outro.
Strauss vê o mito, “a saga que é poética sem intenção”, operando em todas as partes dos evangelhos em que as leis da natureza são invalidadas, as tradições se contradizem ou motivos difundidos na historia das religiões, especialmente do Antigo Testamento, são transferidas a Jesus. O a - histórico não deve, como supunha Reimarus, a uma fraude deliberada, mas a um processo inconsciente de imaginação mítica.
Para Strauss, hegeliano declarado, o cerne da fé cristã não é atingido pela abordagem mítica. Straus, definiu os elementos sobrenarurais de Jesus como sendo interpretação míticas. Tudo não passaria, para elede revestimentos narrativos e de idéias religiosas dos seus seguidores. Pois no individuo histórico Jesus realiza-se a idéia da humanidade de Deus, a mais sublime de todas as idéias. Omiti é a roupagem legitima! De tipo histórico “dessa idéia humana geral”.
Strauss foi também o primeiro a reconhecer que o Evangelho de João é estruturado a partir de premissas teológicas e é historicamente menos confiável que os sinóticos. Para romper as barreiras, essa tese contou com a referencia de F, Chr, Baur. O ponto fraco da critica de Strauss estava nas definições das relações literárias entre os evangelhos sinóticos que ele defendia. Era da opinião de que Mateus e Lucas seriam os evangelhos mais antigos enquanto Marcos seria um excerto de ambos (assim chamada hipótese de Griessbach). Desse modo, ao esclarecer a relação entre as fontes mediante a teoria das duas fontes, os teólogos liberais tinham esperança de amortecer o “choque” causado por Strauss.
A concepçõ da
s “vidas de Jesus”
O com o século XIX, inicia-se a possibilidade de pensar que uma outra fonte independente e destinta de marcos estariam na origem dos sinóticos, as Fontes (Wilke); a priorizar como fonte histórica os sinóticos em relação a João, cujo conteúdo é por demais teológico (Baur ); e a considerar Marcos o mais antigo dos evangelhos, essencial na reconstrução dos elementos biográficos de Jesus: batismo, tentação, ministério publico na Galiléia, subida e ministério em Jerusalém, morte e ressurreição ( Holfman).
Tais conquistas exegéticas serviram, de base para as “vidas de Jesus” que, a partir da reconstrução das fontes originarias , buscavam reencontrar a personalidade de Jesus .A mais famosa delas talvez sejam L avie de Jesus, de Renan (1823-1892), um católico francês que conheceu o sucesso de,ais de 400 edições.No dia 22 de Fevereiro de 1862, um anfiteatro do colégio de França , Ernest Renan em sua lição inaugural , qualifica Jesus como “um homem incomparável”.Á época supôs-se que Renan estava negando a divindade de Jesus.
A ênfase recai na questão ética, e a imagem é de um Jesus mestre espiritual e verdade religiosa e de moradas universais.
Renan publicou sua obra “vidas de Jesus foi um sucesso. Vejam uma das surpreendentes declarações. “Tinha de nomear Jesus. Devê-lo fazer usando formas teológicas que pressuponham a divindade? Não o penso. Não abordei meu tema como teólogo, mas enquanto historiador. Tal como o físico e o químico, também para o historiador não a milagres. Há fatos, causas e leis”.
Renan apenas se esqueceu que se tratando do povo de Israel a história se confunde com as questões religiosas. Assim, não se tem como chegar a lugar algum sem analise dos textos bíblicos, dois livros apócrifos e da historia das religiões. Estudar o povo Judeu é mergulhar no estudo da teologia.

O “Jesus escatológico ‘‘

A leitura mais incisiva da o Old quest é, sem duvida, a interpretação escatológica. O “Jesus ético” das “vidas” encontra seu momento mais alto no anúncio do reino de Deus “Jesus Profeta” (J.Weiss, 1892). Para A. Schweitzer, o atraso da chegada do reino fez com que Jesus subisse a Jerusalém e padecessem na sua carne os sofrimentos dos últimos tempos.Nessa mesma linha devem ser colocadas medidas as radicais exigências para poder seguir Jesus.

Resumindo
A Old Quest é movida não pelo interesse cientifico, mas pela rejeição da dogmática eclesial que, como uma mascara recobria o rosto humano de Jesus e, por outro lado, pelas perspectivas éticas de sua pregação, ao mesmo tempo universal e moderna. Suas grandes contribuições foram à diferenciação entre os sinóticos e João como fontes históricas; a preferência de Marcos como o mais antigo evangelho; e a colocação de Jesus dentro do contexto escatológico do seu tempo.
A “no quest”, a terceira fase ou terceiro passo, nada mais é do que um dos períodos das pesquisas citadas acima sobre o Jesus histórico. É conhecida também, como colapso da pesquisa sobre a vida de Jesus. Dois elementos caracterizam esse período: a descoberta de que os evangelhos são expressões teológico-dogmáticas e o caráter fragmentário das primeiras fontes cristãs.
Vários autores se empenharam nessas pesquisas entre eles Schweiter, Bultmann, Dibelius, Schmidt, Wrede. Schiavo e Theissen tentam sintetizar essas pesquisas levando o leitor a refletir um pouco sobre essas questões.
Theissen diz que nesta fase três fatores conduziram ao colapso da teologia da vida de Jesus:
1- O caráter projetivo das imagens das vidas de Jesus, de A. Schweiter. Ele demonstrou que cada imagem de Jesus da teologia liberal revelava a estrutura de personalidade que valia como ideal ético.
2- O caráter tendencioso das fontes mais antigas existentes sobre a vida de Jesus, indicado por Wrede. Nele a fé pos-pascal na messianidade de Jesus é projetada sobre a vida intrinsecamente não-messianica de Jesus.
3- E ainda o caráter fragmentário dos evangelhos de Schmidt, que ao argumentar que as tradições de Jesus consistem em “pequenas unidades” e que o quadro cronológico e geográfico “da historia de Jesus” foi criado secundariamente pelo evangelista Marcos, assim, desaparece a possibilidade de extrair um desenvolvimento da personalidade de Jesus a partir da seqüência das perícopes.
O ceticismo provocado por esses conhecimentos foi em parte amortecido, em parte aguçado por motivos teológicos. Theissen ainda cita Bultmann, o mais importante exegeta da teologia dialética. Ele diz que a teologia dialética contrapõe Deus e o mundo tão radicalmente, que eles se encontram apenas em um ponto, como uma tangente toca um circulo, no “fato” da vida de Jesus e no “fato” da sua partida, na cruz e na ressurreição. A mensagem dessa ação de Deus, não tem por objeto o Jesus histórico, mas o “cristo querigmático”.
Schiavo diz que a questão do Jesus histórico começou a ser relevante com o Iluminismo, até então não se via distancia nem diferença alguma entre Jesus da história e o Jesus da fé. Ele cita Dibelius e Bultmann que diz que os evangelhos são formados por um conjunto de tradições desarticuladas e pequenas, modeladas a partir de interesses não históricos, mas voltados a satisfazer às necessidades espirituais, catequéticas, missionárias, litúrgicas, polemicas e exortativas das primeiras comunidades cristãs, levando a impossibilidade de conhecer o Jesus histórico pois a imagem que se tem e do Jesus da fé.
É possível reconhecer algo de certo através da evolução da crítica sobre o Jesus histórico. Pode-se dizer que a fé não nasce dela mesma. Por trás da pregação primitiva e da fé pós-pascal está um acontecimento histórico: Jesus de Nazaré.É inegável a autenticidade do material evangélico. Recorrendo a esse abundante material, pode-se reconhecer alguns traços da personalidade de Jesus.Toda a história da investigação sobre Jesus trata, e continuará tratando, de como conciliar fé e história.
A New Quest é a fase que compreende as novas pesquisas que foram feitas sobre o Jesus histórico reafirmando a possibilidade mínima da tradição autentica de Jesus. O objetivo central da “new quest”, desenvolvida ao longo do séc. XX, era poder separar literariamente os materiais dos evangelhos para então se chegar ao nível mais antigo e próximo de Jesus (Lopéz). Os trabalhos iniciais das pesquisas se baseiam num novo princípio metodológico: a história das formas, a partir dela foram desenvolvidos diversos critérios de pesquisa. Os principais autores participantes dessa fase são: Käseman; Bornkamm; Fuchs; Ebeling; Braun (THEISSEN e MERZ.1996); Joachim Jeremias; Norman Perrin; Dominic Crossan, entre outros (LOPÉZ.2004). Vejamos então os critérios desenvolvidos ao longo dessa fase na busca das tradições do Jesus histórico.
O “critério de diferença”, que consistia em, a partir do processo de comparação, descartar o que é derivado tanto do judaísmo quanto do cristianismo primitivo para se chegar ao Jesus da história, vai permear toda esta fase. Este método literário e histórico, desenvolvido inicialmente por Bultmann (critério da dissemelhança) como meio de se estabelecer a probabilidade histórica de um dito ser de Jesus, foi importante por fornecer critérios para que se possam separar os ditos do Jesus histórico dos que lhe foram atribuídos na tradição sinótica. Dedicando-se também à investigação do estrato jesuânico da tradição, J. Jeremias busca em sua pesquisa as camadas secundárias às tradições de Jesus, fornecendo uma lista dos elementos secundários que poderiam ser separados nas tradições evangélicas a fim de encontrar um núcleo das tradições mais antigas e, portanto, mais próximas dos ditos de Jesus. Um critério complementar critério foi desenvolvido por Perrin, o critério de coerência, que também buscava determinar os ditos do Jesus histórico: ele estabelece que um dito possivelmente possa ser atribuído ao Jesus histórico se for coerente com os ditos já estabelecidos através do método da dissemelhança. Outro método adicional foi desenvolvido por Breech: os ditos embaraçosos de Jesus. Este propunha “que um dito representa os ensinamento de Jesus se é problemático para os cristianismos originários legar esta tradição, mas não restou outro recurso senão legá-lo porque é um dito de Jesus que muitos cristãos originários conheciam.”(LOPÉZ.2004). O último critério literário foi desenvolvido por Crossan: o critério da múltipla atestação, segundo o qual qualquer dito de Jesus que conste independentemente nas fontes primárias independentes (o Evangelho de Tomé e Marcos, e Q) tem grande probabilidade de ser um dito autêntico de Jesus.
Para Pablo Richard (2004), essa etapa da pesquisa trouxe de volta a crença na possibilidade de um encontro com o Jesus da história. Passou-se do enfoque da história das formas para a história da redação, o que, segundo ele, permitiu o conhecimento da diferenças e da continuidade entre o Jesus histórico antes de sua morte e a tradição oral das igrejas, assim como o trabalho redacional dos evangelistas. Para ele a pesquisa dos textos se deu a partir da perspectiva histórica, cultural, sociológica e arqueológica e embasada em alguns critérios de credibilidade histórica. Os citados por Richard são seis: o critério da dificuldade (ações e ditos de Jesus que são incômodos para a Igreja primitiva e que ela nunca teria inventado); o critério de descontinuidade e originalidade (práticas de Jesus em continuidade com o judaísmo anterior e em descontinuidade com o cristianismo recente); o critério de testemunho múltiplo (atos e ditos que aparecem em fontes independentes); o critério da coerência entre os dados históricos decorrentes dos critérios anteriores; o critério da rejeição (ditos e ações de Jesus que explicam sua rejeição e crucificação); e o critério da sintonia com o contexto geográfico, social, político e cultural da época de Jesus.
O que Theissen, por sua vez, afirma acerca dessa fase é que ela parte do “Jesus querigmático e pergunta se sua exaltação fundada na cruz e na ressurreição tem alguma ‘base’ na pregação pré-pascal de Jesus”.(THEISSSEN.PAG25.1996). Assim, a “new quest” teria três pontos centrais: o querigma cristológico comprometido com a pergunta pelo Jesus histórico; a base metodológica buscando encontrar um mínimo criticamente assegurado de tradição ‘autêntica’ de Jesus; e a busca por um ponto de apoio pré-pascal do querigma de Cristo independente do fato de Jesus ter usado ou não algum título cristológico. “A intenção teológica de descobrir o querigma do Cristo já na pregação de Jesus conduz, em conexão com o critério de diferença, obrigatoriamente a uma percepção de Jesus em contraste com o judaísmo”. (THEISSEN. Pg27.1996).
É possível afirma a partir de Lopéz que “toda esta fase sobre a desestabilização dos textos e diferentes métodos literários a fim de conhecer o Jesus da história levou os meios acadêmicos a encontrar-se com um Jesus que lhes era estranho”.(LOPÉZ.pag23.2004). O que os levou a buscarem um a interpretação de Jesus a partir de uma ótica herminêutica.
A Third Quest, segundo Ediberto López (2004), é a terceira fase da pesquisa sobre o Jesus histórico, que traz como ponto de partida uma análise sócio-antropológica. Ela começou com um livro de G.S.Brandon, no qual o autor afirmou que para compreender as tradições de Jesus era preciso situá-las no contexto sociológico, ideológico, político e cultural. A partir de então se inaugura uma nova perspectiva de análise nesta fase da pesquisa; nela a proliferação dos estudos sociológicos e antropológicos abre novas possibilidades para localizar as tradições de Jesus e compreendê-las em seu contexto social. Principalmente a partir da década de 1980 essa pesquisa passa a contar com um novo impulso e três novos pressupostos metodológicos são apresentados: o interesse histórico-social, em detrimento do teológico; a inserção de Jesus no Judaísmo e a abertura a fontes não-canônicas. Os principais representantes dessa fase são Sanders, Vermes, Gerd Theissen, Burchard e Dominic Crossan (THEISSEN e MERZ. pag30. 1996); Ediberto López (2004) cita ainda outros autores, como Richard Horley, Douglas Oakman, Marcus Borg, Frederick Herzog e John Paul Meier, entre outros.
Comecemos por discorrer acerca dos novos pressupostos metodológicos. Segundo os autores pesquisados, entre eles Theissen e Schiavo, o interesse histórico-social vem substituir o teológico na medida em que é preciso compreender que na aparição e destino de Jesus estão refletidas tensões próprias da sociedade judaica do séc. I d.C., assinalando, em relação ao cristianismo primitivo, uma continuidade do ponto de vista social. A intenção aqui é a de afirmar a continuidade entre o Jesus histórico e o Jesus da fé. Por conseguinte, há a inserção de Jesus no Judaísmo, como fundador de um movimento de renovação judaico, cujo conteúdo se refere a uma escatologia de restauração e, no âmbito teológico, utiliza modelos de interpretação bíblico-judaicos para exaltar a figura de Jesus após a páscoa. Há ainda abertura a fontes não-canônicas, principalmente a Fonte Q, e o Evangelho de Tomé (Theissen e Merz.1996), assim como outros livros apócrifos e pseudepígrafos (Schiavo.2006). Para Theissen as diversas imagens de Jesus no cristianismo primitivo precisam ser explicadas para além dos limites do cânon, o que é igualmente afirmado por Schiavo e Lago no que diz respeito a uma maior atenção para as fontes e tradições alternativas para a percepção e compreensão da pluralidade das origens na história das tradições acerca de Jesus.
A metodologia sóciocrítica inaugurada por Brandon abriu um mundo novo à investigação sobre o Jesus histórico, o que culminou numa proliferação de investigações nesse sentido, que por sua vez levaram a localizar histórica e socialmente níveis prévios da tradição e dos ditos de Jesus em seu contexto social e ideológico. Nesse mesmo sentido Hosley (in.López.2004) afirma que as tradições de Jesus, para serem compreendidas, devem ser situadas no contexto/situação social da Palestina do séc. I d.C., um ambiente permeado pela iminência da guerra judaica contra o império romano e a luta de classes entre grupos utópicos e a elite.
Nesse período da pesquisa, a obra de Dominic Crossan (1994) traz como abordagem metodológica o critério de múltipla atestação, segundo o qual qualquer dito que vier de mais de uma fonte independente/primária (aqui ele considera como tal Marcos, Q, o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Pedro) terá maior probabilidade de ser um dito do Jesus histórico. Igualmente a outros autores, como Oakman e Borg (in López.2004), a obra de Crossan também traz uma abordagem a partir da perspectiva do conflito social para entender os ditos de Jesus, ressaltando a luta de classes entre o campesinato e as classes da elite. Ainda nesta perspectiva sociopolítica, um trabalho de evidência na America Latina, segundo López, é o de Herzog. Seu trabalho utiliza métodos histórico-críticos e as teorias de Paulo Freire sobre a problematização da sociedade
Outro aspecto importante desta fase é a proliferação de estudos que enfoca elementos diferentes na pesquisa sobre Jesus. No livro Anjos e Messias: messianismos judaicos origem da cristologia, Schiavo e Lago ressaltam alguns desses diversos elementos enfocados por diferentes autores: a imagem sapiencial de Jesus, definido como mestre de sabedoria cínica (Crossan, Mack, Vaage); a interpretação escatológica que vê em Jesus o profeta do cumprimento dos últimos tempos (Sanders, Meyer); há ainda os estudos que, como já foi afirmado anteriormente, buscam reconstruir o contexto histórico-social da Palestina do séc.I d.c., o que inclui o contexto da guerra judaica (Horsley), o movimento de Jesus (Theissen), e as influências helenistas no movimento de Jesus (Vermes, Morton Smith), entre outros.
Gerd Theissen, já citado anteriormente, também é um importante autor que publicou diversos trabalhos sobre Jesus de Nazaré. Sua principal contribuição nessa fase da pesquisa, segundo López (2004) foi o refinamento dos métodos utilizados para determinar quais ditos se originaram realmente de Jesus. O método por ele desenvolvido é o critério de plausibilidade. Ele estabelece que uma tradição possa ser do Jesus histórico quando se encaixa dentro do judaísmo da época. Assim, segundo Schiavo, uma leitura comparada dos textos cristãos mais antigos com textos judaicos (canônicos e apócrifos) do mesmo período permite uma reconstrução dos elementos e matriz comuns ao judaísmo e cristianismo primitivo. O desenvolvimento desse método é de fundamental importância uma vez que insere Jesus dentro do contexto judaico e torna compreensível o surgimento do cristianismo primitivo. Além disso, há uma superação do critério de diferença como base metódica da pesquisa sobre Jesus. O problema de sua metodologia seria apenas a utilização do funcionalismo como base (função ideológica da cultura como facilitadora da homeóstase social), o que levou a uma leitura do Jesus como um reformador social mal compreendido, vítima dessa má interpretação por parte de seus contemporâneos.
De modo geral, é possível afirmar que a pesquisa sobre o Jesus histórico na “third quest” dividiu-se em diversas correntes que giravam em torno de duas perspectivas: uma que traz uma imagem de Jesus não-escatológica e outra que a insere no quadro de sua escatologia e no centro do judaísmo. Embora a pesquisa, todas tendem ao critério histórico de plausibilidade, em detrimento do critério de diferença.
No âmbito da América Latina, dois trabalhos foram destacados na bibliografia pesquisada. O primeiro é de Hugo Echegaray (A prática de Jesus.1980), que traz uma leitura a partir da perspectiva da sociologia do conflito e do materialismo histórico, propondo um paradigma para compreensão do projeto de Jesus nos níveis econômico, político e ético. Há ainda o trabalho de Juan Luis Segundo (O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré), que, a partir de diversos elementos chega à conclusão de que “os ditos de Jesus são uma espécie de mecanismo de conscientização dos mecanismos de opressão na sociedade.” (LOPÉZ.pag.27.2004). Ambos os trabalhos foram elaborados a partir da perspectiva da teologia da libertação.
Ainda nesse contexto, encerremos pois com Pablo Richard. Em seu artigo A força espiritual do Jesus da história – para uma nova interpretação dos 4 Evangelhos (2004) ele ressalta a necessidade de se ampliar o horizonte do Jesus histórico no sentido de reconstruir uma continuidade entre o Jesus da história antes da páscoa e o Jesus da fé na atualidade. Na pesquisa da America Latina se utiliza os métodos desenvolvidos na Europa e Estados Unidos, contudo a partir de uma perspectiva diferente. Aqui a “busca do Jesus da história procura romper com o contexto colonial eurocêntrico e pretende pensar o Jesus da história em diálogo com os povos, culturas e religiões do Terceiro Mundo.” (RICHARD.pag41.2004).





CROSSAN, John Dominic - O Jesus histórico a vida de um camponês judeu do mediterrâneo -trad.André Cardoso - Rio de Janeiro: imago ED., 1994.
RIBLA - Revista de Interpretação Biblica Latino-Americna - nº 47, 2004/1 Jesus Histórico - Ed. Vozes.
SCHIVO, Luigi - Anjo e messias: messianismos judaicos e origem da cristologia.- SP: Paulinas, 2006.
TILLICH, Paul - Teologia Sistemática - trad. Getúlio Bertelli e Geraldo Kornorfer. - São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2005.